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28/12/06
Ministério Público decide pelo arquivamento do processo contra a Bancoop
Decisão diz que Bancoop é cooperativa, que não há relação de consumo e que o rateio existe no cooperativismo

No último dia 15, o Ministério Público (MP) emitiu decisão na qual promove o arquivamento do inquérito por “falta de justa causa para a intervenção”. São 42 páginas onde o Promotor faz um resumo do que foi alegado pelos cooperados, dos esclarecimentos da Bancoop, sobre cooperativismo, relação de consumo, rateio, sobre os documentos apresentados pelas partes e da análise dos mesmos.

Veja abaixo os principais trechos da decisão do Promotor.

Relação de consumo

A decisão afirma que “destaca-se, com proeminência, da inexistência de relação de consumo entre a cooperativa e seus cooperados”.  O Promotor cita José Geraldo Brito Filomeno que “discorrendo com a autoridade que lhe confere a condição de co-autor do anteprojeto que resultou na edição do código (de defesa do consumidor), pondera que ‘pode-se destarte inferir que toda relação de consumo: a) envolve basicamente duas partes bem definidas: de um lado o adquirente de um produto ou serviço (“consumidor"), e, de outro, o fornecedor ou vendedor de um produto ou serviço (“produtor/fornecedor”)’. Emerge cristalino, de tal arte, que toda relação de consumo requer, perfeitamente delineado, o atributo da bilateralidade estrita. E já aqui se pode notar que as relações existentes entre a cooperativa e seus cooperados não ostentam essa bilateralidade estrita, porquanto conceitualmente cooperativa é toda associação de pessoas que, reciprocamente, obrigam-se a emprestar recursos e esforços próprios para a consecução, sem fins lucrativos, de uma atividade de proveito comum”.

Relação de cooperado

“Isso representa dizer que, na dinâmica das relações travadas para o exercício das finalidades sociais, os cooperados são, a um só tempo, consumidor e fornecedor de serviços. São consumidores porque, afastado o escopo do lucro, apresentam-se como destinatários finais da atividade econômica da própria associação. São também fornecedores porque, responsáveis pela auto-gestão e pelo auto-financiamento, organizam os fatores de produção para, afinal, prestarem, em favor de si próprios os serviços que constituem a finalidade social.”.

Bancoop é cooperativa

O MP recusa o entendimento de que a Bancoop é uma “cooperativa de fachada” porque “a prova documental evidencia – e os próprios cooperados que, pessoalmente ou por suas associações, representaram nestes autos e seus apenso – noticiam à sociedade que a Bancoop, constituída em 18/06/1996, veio devidamente conformada à lei do cooperativismo (Lei 5.764/71) e vinha cumprindo satisfatoriamente suas finalidades estatutárias”. “A Banocop foi constituída como real cooperativa habitacional – não detectada a simulação do ato jurídico”.

“O expurgo sumário do regime cooperativo implicaria, antes de mais, no banimento peremptório de todos os poderes dos cooperados sobre os destinos e gerência da associação, com pronta exclusão de todos os direitos especiais previstos na Lei 5.764/71”.

“Por outro lado, empregar equação que elimine a aplicação do regime do cooperativismo, implicaria em reconhecer a sujeição da associação ao regime tributário comum e geral das empresas, com repercussão direta na incidência de imposto de renda sobre a receita da Bancoop, inclusive a pretérita não alcançada pela prescrição, o que pode resultar em gravame indesejável aos interesses dos próprios cooperados”.

Consumidor X Cooperado

“Pudéssemos sustentar a aplicabilidade do direito consumerista ao caso analisado, forçosamente estar-se ia jungido ao afastamento, em caráter pleno, do regime jurídico do cooperativismo. Parece fácil apreender que, à falta de lei em tal sentido, não se poderia pretender a criação de um sistema jurídico híbrido, que combinasse em favor dos cooperados, pela junção arbitrária de Direito do Consumidor e Cooperativismo, as vantagens de um com os benefícios de outro”.

Superavitários X Deficitários

“Não bastasse, consoante amplamente noticiado neste inquérito civil, a despeito do déficit verificado em inúmeras seccionais da cooperativa, há algumas seções que hoje se encontram superavitárias. Vale dizer que, para estas últimas, no regime de cooperativismo, por força do art. 80 da Lei 5.764/71 e da cláusula contratual de “apuração final”, haverá divisão de sobras”.

“Em tais circunstâncias, o universo dos cooperados da Bancoop está dividido entre os que terão valores a receber (rateio de sobras) e os que haverão importâncias a desembolsar (rateio de perdas). A estes o afastamento do regime de cooperativismo e anulação da “apuração final” poderão ser mesmo de interesse. Àqueles, porém, certamente não o serão. Restaria assim, sem resposta adequada a indagação sobre qual dos grupos de cooperados o Ministério Público deveria tutelar”.

Rateio

“As cooperativas têm por princípio fundamental, pois, o exercício de determinada atividade, de utilidade comum, mediante auto-financiamento e auto-gestão – essa, aliás, a ratio legis do art. 89 da Lei 5.764/71, que prevê o rateio entre os cooperados assim das perdas como também das sobras eventualmente verificadas.”.

Segundo o MP, “não toca a natureza da cooperativa e das relações entre eles e os cooperados também a posterior divisão (rateio) de eventual déficit. É que rateio, assim das perdas como das eventuais sobras, é inerente ao cooperativismo”.

Responsabilidade do cooperado

A decisão lembra que “como se vê, sem dificuldade, o ordenamento pátrio encerra a mais variada gama de instrumentos para que o cooperado, em juízo ou fora dele, faça resguardados seus interesses e conformada a administração associativa aos estatutos e à legislação especial incidente.”.

Atuação do MP

“Nada obstante, pudéssemos imaginar caracterizada a cooperativa ‘de fachada’, aceitável a relação de consumo, viável o afastamento do regime jurídico do cooperativismo e aproveitável tal medida à globalidade dos cooperados, ainda assim encontraríamos rijo empeço à legitimação extraordinária do Ministério Público, dado que aqui se cuidam de direitos e interesses individuais homogêneos (de origem comum)”. A decisão cita, também, um dos autores do Anteprojeto do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Kazuo Watanabe que diz que “não se pode ir ao extremo de permitir que o Ministério Público tutele interesses genuinamente privados sem qualquer relevância social (como os de condôminos de um edifício de apartamentos contra o síndico ou contra terceiros, ou os de um grupo de uma sociedade contra outro grupo da mesma sociedade, a menos eu esteja inequivocamente presente, por alguma razão específica, o interesse social) sob pena de amesquinhamento da relevância social do parquet, que deve estar vocacionado, por definição constitucional, à defesa ‘da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis’”.

Do Arquivamento

”Pelo exposto, não verificando na espécie interesse transindividual passível de tutela por esta Promotoria de Justiça do Consumidor, com fundamento no art.9º, § 1º, da lei Federal 7.347/85, no art. 110, da Lei Estadual 734/93, e no art. 99, inc. 1, do Ato 484/2006 – CPJ, promovo o arquivamento do presente inquérito civil público.”.

Do encaminhamento

Segundo a decisão do MP “Para aproximação de tais idéias à situação concreta sob investigação, cumpre então considerar que: a) a cooperativa investigada foi constituída em conformidade com o direito incidente, consideradas aqui não apenas as normas positivas relativas à forma da associação, mas também as que cuidam do conteúdo de sua atuação no mundo fenomênico; b) já em curso sua vida civil, sobreveio anomalia jurídica, decorrente de atos ilícitos praticados, ao menos em tese, pelos cooperados administradores; c) para restabelecimento da ordem jurídica, incidem as sanções previstas no regime jurídico aplicável, pelas quais hão de responder os autores da ilicitude”. “De tal arte, a fim de fazer conhecer os fatos ao Órgão ministerial especializado, determino desde logo a extração de cópias destes autos (inclusive dos apensos), bem como da presente promoção, encaminhando-as por ofício ao GAECO.”


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